Título: Água Mole em Pedra Dura
Gênero: Infantojuvenil
Gênero: Infantojuvenil
Tipo: Conto
Para baixar "Água Mole em Pedra Dura"
formato ebook (*.pdf) para Ipad, Iphone, tablets e outros clique no link abaixo: http://www.4shared.com/office/30n96aJ4/agua_mole.html
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Água Mole em Pedra Dura
****
— Ufa!
Consegui voltar para casa. Daqui não vou sair mais, só quando acabar de crescer
e virar um adulto, prontinho pra enfrentar a vida, como diz o pai. Mas a culpa
foi minha, só minha, de ir parar lá na casa do tio Alberto em São Paulo. Mas
como eu ia saber que eu era tão pobre e que rico tinha tanta frescura? Eu mesmo
quis ir para lá. Se não quisesse, nem o pai nem a mãe me obrigariam. Não fui
obrigado não. Jogaram uma isca e o peixe aqui engoliu direitinho, com anzol e
tudo. Também, falavam tanto deles lá em casa, o pai e a mãe, o vô e avó. Era
Alberto pra cá, Alberto pra lá, Júnior pra cá, Júnior pra lá, o Júnior faz
isto, o Júnior faz aquilo. Júnior é o primo. É filho único, não é como eu que tenho
uma cambada de irmãos, graças a Deus, ao pai e à mãe.
— Pois
é, gente. Então o tio Alberto escreveu. Ele sempre escrevia pro meu pai, muitas
vezes até mandava caixas cheias de coisas prá nós com roupas usadas e material
escolar. Às vezes o pai mandava umas laranjas, umas bananas, isto é, quando as
árvores do quintal ficavam carregadinhas. Daquela vez, não sei qual a razão,
ele escreveu se oferecendo pra um dos sobrinhos morar com ele e estudar em São
Paulo, e, o burro aqui foi logo se oferecendo e pedindo:
—
Deixa eu, deixa eu ir pai, eu quero.
E
queria mesmo, todo mundo me achando muito inteligente, esperto e eu mesmo achando
que merecia uma oportunidade.
Dalva,
minha irmã mais velha, tava de namoro escondido com o filho do dono do cinema
e, por isso, foi teirando o corpo fora. Os outros meus irmãos eram menores do
que eu e, acima de mim, fora a Dalva, tinha duas meninas. A mãe foi logo
dizendo:
¾
As meninas não. As meninas eu não solto.
— Nem
precisava a Dalva ter corrido da raia, a mãe não ia deixar mesmo. Só sobrou o
burro aqui que ficou logo todo importante pensando que era uma grande coisa
poder ir morar com o tio Alberto e estudar em São Paulo. Mas como eu podia
saber? Como? Eu! nem sabia que mãe por perto faz falta, com a minha pegando no
meu pé toda hora, Joel não faz isso, Joel não faz aquilo, Joel olha que você
vai apanhar, te pego menino. Quando ficou tudo resolvido, o pai escreveu pro
tio Alberto combinando o dia em que ia me levar, bem no começo do ano. Aí mãe
disse que precisava fazer uma roupa nova pra poder viajar e chegar bem vestido
na casa dele. Roupa nova uma ova. Ela pegou umas calças amarelo cheguei do meu
pai, já bem usadas, e recortou pra mim. Meu pai é carteiro, o único carteiro da
cidade, e, todo ano, ganha um uniforme novo, todo amarelo que nem pintinho. Até
que é bom ele usar roupa desta cor, porque a gente enxerga o amarelo de longe e
dá um jeito de parar de fazer o que os adultos chamam de arte. Eu digo assim
porque aqui em casa, subir no telhado é arte, mas subir no alto do abacateiro,
mesmo no gallio fininho, ou na laranjeira espinhenta pra pegar fruta pra eles,
não é arte. A gente nunca sabe de antemão se o que se passa na cabeça deles é
o mesmo que se passa na gente. Só experimentando é que se pode ter certeza se a
gente está fazendo alguma coisa com a aprovação deles ou não. Às vezes, a gente
faz alguma coisa qualquer, uma besteirinha que não tem nada de mais, e é arte,
lá vem bronca e paulada no lombo; às vezes uma bobagem qualquer e lá ficam eles
babando achando que você é o maior. Nunca se sabe o que um adulto tem na cuca.
Só vou saber quando eu crescer e pensar como eles.
— Pois
é, voltando à vaca fria, então a mãe recortou as calças do uniforme velho do
pai e fez uma pra mim. Aqui em casa a gente está acostumado a usar aquele
amarelo carteiro.
Todo
ano era um de nós que herdava o uniforme do pai. Mas quando a mãe arrumou não
sei onde uma camisa roxa, eu disse que não ia viajar daquele jeito, nem morto.
Pode? Parecer um caixão de defunto?
Minha irmã Dalva disse que não era roxo, era uva, que tava na moda, mas eu bati
o pé e disse que não ia viajar vestido de funerária. Como as passagens de
ônibus para São Paulo já estavam compradas, tiveram que concordar comigo e eu
fui com a minha melhor camiseta velha.
Foi
assim mesmo. Lá fui eu com uma sacola murcha na mão, onde estavam minhas poucas roupas, minhas bolinhas de gude, meu
pião, umas mamonas maduras pra brincar de
guerra, caso não houvesse pé de mamona por lá. E dona Consuelo, minha
lagartixa seca, bem embrulhadinha pra não esmigalhar. Ah! Também levei uma
porção de conselhos da mãe enfiados dentro dos ouvidos, tanto conselho que eu
já estava quase surdo com eles amontoados num espaço tão pequeno. De ônibus.
Seis horas de ônibus e o pai, durante este tempão, tentando enfiar mais
conselhos onde já não cabia mais nada, deixando os buracos dos ouvidos doendo.
Quando
o ônibus chegou eu fiquei besta com aquele mundão de gente, de carros, ônibus,
caminhões e prédios. O pai já conhecia São Paulo, mas eu não, mesmo com muita
gente falando pra mim que era grande paca, só vendo é que eu pude acreditar.
Foi linda a viagem de ônibus até o Morumbi — é lá que o tio Alberto mora — com
aquele mundão de gente se apertando, uma confusão danada dentro e fora do
ônibus. Nem quando o PMDB faz comício na praça junta tanta gente daquele jeito,
um acotovelamento pra valer, um empurra-empurra, encontrões e gente grudadinha
uma na outra. Fora o metrô que também achei um barato, um trenzão que fura a
terra como uma minhoca.
Pois
é, naquela hora até que eu estava entusiasmado e pensei que logo ia andar por
toda aquela cidade, que ia demorar um tempão até conhecer todas as ruas e o
difícil mesmo seria conhecer todas as pessoas que tinha visto pelo caminho,
saber o nome delas, fazer amizade.
E
o pai me deixou lá, numa casa que parecia de novela de televisão. No dia
seguinte voltou para casa e pro seu ofício de carteiro e eu nem fiz cara de
choro nem nada, fiquei firme achando que iria me esbaldar de gostar de ficar
ali. Eu até que gostei, no começo, quer dizer. Porque no primeiro dia a gente
fica examinando tudo e todo mundo fica bonzinho. Me deixaram à vontade
conferindo o lugar bonito em que eu iria viver.
Nossa!
Era mesmo um desbunde. Um jardim que nem o da praça da matriz, com um tancão
azul cheio de água, que eu nem sabia que era uma piscina e que não era pra
guardar peixe mas pra gente mergulhar e nadar como se fosse um rio. Só tinha
visto na televisão preto e branco, nem sabia que era azul.
Tinha
uma porção de salas em baixo, sala de ver televisão, sala de almoçar, sala de
jantar, sala de sentar pra conversar, sala de som e sala que eu nem sabia pra
que era. Depois uma porção de quartos no segundo andar, com uma porção de
banheiros. E também tinha um outro andar que era cheio de livros, cacarecos e
coisas sem serventia pra eles mas que parecia um tesouro de pirata.
E
me deram um quarto só para mim, sem beliche, só uma cama e um grande
guarda-roupa, onde enfiei minha sacola e escondi bem escondidinha a D.
Consuelo, tirando a coitadinha do embrulho. Felizmente ela estava inteirinha,
nem o rabo tinha partido. O Consuelo é uma lindeza. É a minha melhor amiga. Não
largo a dama em nenhum lugar, levo até para a escola, no meu bolso, e é só
botar a mão nela pra eu não me sentir sozinho.
Além
disso, ela sempre me ajuda a decidir o que eu vou fazer, se a conta é de mais
ou de vezes, se a palavra é com "c" ou com "s", e outras
coisinhas mais.
Quando
tenho alguma dúvida pergunto:
—
D. Consuelo, a senhora acha que eu devo fazer isto e tal e coisa?
E
ela me responde:
— Joel
meu filho (ela sempre me chama de meu filho), o que você tem a perder se fizer?
Aí
eu respondo:
—
Tenho a perder ... Acho que nada...
—
Se você não tem nada a perder, vá em frente, meu filho. Será que não vai dar
galho?
E
eu:
—
Se der galho, eu aguento, vale a pena.
E
ela:
— Toca
pra frente, meu filho.
Aí
eu meto a cara e, às vezes, até quebro a coitada mas sei que D. Consuelo até me
avisou. Ela é muito sábia e quieta. Não dá palpite se eu não pergunto, não é
como minha irmã Dalva que se mete em minha vida cada vez que esbarra comigo.
Por isso, não deixo D. Consuelo para trás, onde eu vou eu levo minha fiel
amiga.
— 2 —
Bem,
no dia seguinte começou a frescura. Me deram roupa nova e eu não podia andar
descalço. Pode? Eu que tô acostumado a andar de pé no chão ou de havaiana e não
gosto nem de ponhá tênis. Chi! Falei ponhá outra vez. Mal voltei prá casa e já
escapou um ponhá. Desculpe, já sei que é por e ponhá só caipira é que fala.
Quando eu cheguei lá, nem sabia que era um caipira. Quem me ensinou a não falar
ponhá foi a tia Benê. Ela fica uma fera quando é chamada de Benedita. Não sei o
que ela tem contra o nome que deram pra ela. Até que não é feio e é nome de
santo, mas ela olha pra gente com tanta raiva que é melhor nem insistir. Tia
Benê é muito bonita e muito cheirosa, mas é cheia de trique-trique.
Nem
sei como um mulherão daquele podia ser tão chata. O que ela mais gostava era de
me corrigir na frente do tio Alberto, dizendo:
—
Alberto, de onde saiu este menino que nem sabe falar decentemente?
Como
se eu falasse indecências. Isto eu não falava, pois estava com os ouvidos
cheios das recomendações da mãe:
—
Olha só os palavrões, Joel, cuidado, não me envergonhe.
E
eu tomava cuidado, mesmo com vontade de mandar toda aquela gente fresca e chata
pra aquele lugar que todo mundo sabe onde fica no corpo humano.
Pois
é, eu tava falando que não podia andar de pé no chão nem de havaiana. Só podia
por havaiana pra ir até a piscina, nem pra ir até lá podia ir descalço. Eu
andava até tropeçando, com os coitados dos meus dedos apertados como sardinha
em lata, os infelizes agoniados, doendo e reclamando. A coisa mais gostosa era
a hora de tirar os sapatos e abrir os dedos do pé que nem leque pra deixar os
coitados refrescar e suspirar.
Meus
pés, tanto o direito como o esquerdo, não estavam acostumados a usar sapatos,
só havaianas pra eu ir pra escola e sair com a mãe. No resto, era pé no chão
mesmo, que é mais fácil pra correr, subir em muro, trepar em árvore, chutar
bola de meia, o pé direito tava de unha lascada de uma topada dos diabos que eu
tinha dado no campinho de futebol. O pé esquerdo estava convalescendo de um
corte no calcanhar quando pisei num caco de garrafa. No mais estavam bem quando
não eram apertados e judiados.
O
Júnior nunca tirava os sapatos. Os amigos dele que apareciam por lá usavam
tênis, mas o Júnior, nem isso. Só sapatos. Ele era um chato sempre com um
risinho superior. No primeiro dia, quando eu cheguei, pensei que a gente ia se
dar às mil maravilhas, tudo legal. Ele me abraçou e disse um bem-vindo primo me
mostrou os brinquedos dele, guardados num quarto especial que mais parecia uma
loja, tudo arrumadinho nas prateleiras que era só para ver porque colocar as
mãos neles não consegui. Ele nunca me deixou brincar com as maravilhas que
escondia naquele quarto. Pra falar a ver a e só entrei ali no dia em que
ceguei, depois estava sempre trancado. Bem que eu tentei e consegui uma vez
quando estava pondo em pratica um os meus planos estratégicos. Só o Júnior
entrava lá dentro. Foi uma discriminação contra os direitos da criança, Ainda
bem que eu tinha meu pião e minhas bolinhas de gude mas é chato brincar sozinho
e até tive que jogar fora minhas mamonas quando foram descobertas no fundo da
sacola. E quase jogaram fora a sacola onde eu trouxe minhas coisas. Precisei
até brigar com a arrumadeira pra deixar a pobrezinha guardada na gaveta. As
mamonas foram pro lixo, mas também, pra que serve mamona onde ninguém sabe
brincar de guerra?
Pois
é, o chato do Júnior me tratava como se eu fosse um bicho do mato. Pois eu vou dizer que prefiro ser bicho do mato e
vestir calças "amarelas cheguei" feitas do uniforme de carteiro do pai do que
aparecer vestido de marinheiro. Pode? Um menino de dez anos com roupa de
marinheiro inglês? Engomado? Pode? Quando ele apareceu com aquilo quase rolei
pelo chão de tanto rir e perguntei:
—
Onde é o baile de carnaval?
Tia
Benê e ele ficaram pê da vida comigo e eu nem liguei porque já estava louco de
vontade de voltar para casa mesmo.
Pois
nem morto eu vestia aquela fantasia e, graças a Deus só me deram jeans e
camisetas e, se não fosse os sapatos, até que dava.
Além
de chato, o Júnior era um babaca. Filho único dá nisso. Único e mimado de pai
rico. Era só ele pensar em desejar alguma coisa e a coisa brotava na mão dele
que nem capim depois de chuvarada. Foras as que ele pensava em desejar e que
aparecia nas mãos da tia Benê e depois iam pras dele.
Pois
o babaca do meu primo não sabia o que era empinar pipa, jogar bolinha de gude e
outras brincadeiras legais que a gente gosta de curtir na rua. Rua? Não se
podia sair na rua mesmo com uma tão gostosa, cheia de árvores boas para subir e
para fazer cabaninha, com uma passarinhada morando nelas.
Pois
o Júnior nem ia no quintal! Pode? Um quintalzão que era uma gostosura, bonito
que só ele, juntando com o jardim, onde moravam dois cachorros que eram uma
simpatias. Com eles eu logo fiz amizade. Me dou mui to bem com este tipo de
bicho. Aqui em casa o Bruzundunga é um amigão. Êta cachorro bom é o
Bruzundunga, bom pra pegar rato, pra correr com a gente, bom pra iscar e pra
brincadeiras. Pois é, contei para o Dínamo e o Chicote que eu tinha um cachorro
em casa, não igual a eles, tão grandes, mas um companheirão.
Fui
logo perguntando pra eles se a gente podia fazer uma amizade legal para sair na
rua, umas boas brincadeiras e tal e coisa. Mas eles me disseram que fazer
amizade faziam, gostavam de mim, mas eles tinham que vigiar a casa, era o
trabalho deles e por isso nunca saíam. Fora o tio Alberto, que não cheirava nem
fedia, só o Dínamo e o Chicote eram meus verdadeiros amigos lá. Pois não é que
o Júnior nem brincava com os dois, nem conversava, nem nada. Pode? Com dois
amigões como aqueles ficar grudado na frente de um tal videogame, um
aparelhinho besta que fica fazendo tim-tum, tim-tum, tim-tum, na tela da
televisão, fingindo que está na direção de um carrão, fingindo que está
atirando bombas nos foguetes de uns caras de outro planeta ou fingindo que está
jogando futebol. O bom mesmo é fazer a pelota rolar junto ao peito, chutar com
força no gol.
Às
vezes, as coisas melhoravam. Apareciam uns caras legais e umas gatinhas, amigas
do Júnior, pra tomar banho de piscina. Aí até que era gostoso, vendo eles fazer
concurso de bolas de chiclé, soprando, soprando até rebentar e grudar na cara,
eu sempre de fora.
—
Sabe, dizia o Júnior, meu primo é do interior, meio diferente...
Falava
daquele jeito como se eu nunca tivesse visto um chiclé de bola na vida, não
fosse eu campeão na escola, fazendo cada boIão que dava gosto. Falava daquela
maneira por causa das gatinhas que ficavam miando pra mim, novidade no pedaço.
Tudo de inveja, e eu nem ligando pra elas embora fossem lindinhas, umas
gracinhas. Pra falar a verdade não estou acostumado com este tipo de garotas.
As gatinhas que eu gosto de paquerar são aquelas que a gente chega perto, fala
uma besteirinha qualquer, pega nos cabelos dando um puxãozinho e elas logo
falam pra você não amolar, ou então ficam qui qui qui com as alpiguinhas, só
olhando a gente com o rabo dos olhos, fingindo que não estão vendo. Estas são
as difíceis e muito melhor de paquerar.
— 3 —
No
terceiro dia eu tava que tava. Eu sabia que iria ter a oportunidade de estudar
num bom colégio e fazer muitos amigos novos. Porém, não aguentava mais e, se
arrependimento matasse, eu já tava morto e enterrado, durinho debaixo da terra.
Tava com uma baita saudade de casa e até dos ralhos da mãe. Por falar em mãe só
morando em casa de rico é que vi como a minha trabalha. Tia Benê não faz nada.
Só compra. Compra tudo que vê.
Saía
com o carro dela todas as tardes e voltava carregada com um mundão de pacotes,
como se todo dia fosse Natal e me deixando doidinho pra ver o que havia dentro
deles. Era roupa, uma rouparia danada, penduricalhos pros braços, pras orelhas
e pro pescoço, sapatos e bolsas sem fim.
Ela
dizia, todo dengosa na hora do almoço, quando estávamos todos juntos:
—
Alberto, estou nua! Não tenho mais o que vestir.
Quando
ela falou assim pela primeira vez até levei um susto. Onde já se viu fazer que
tava nua com um vestido tão bonito em cima do corpo! Mas ela sempre continuava:
—
Depois do almoço vou sair para fazer umas comprinhas.
O
santo do tio Alberto (eu achava que ele era santo) nem chiava. Era um tal de
meu bem pra cá, meu bem pra lá.
—
Saia, meu bem, e compre. Você que sabe, meu bem. Precisa de dinheiro, meu bem?
Como está sua conta no banco, meu bem?
— Puxa,
aqui em casa a mãe nem fala em gastar dinheiro, comprar é palavrão.
Também,
pra que falar no que ela está careca de saber que não tem? E o pai e a mãe não
tem aquela melequeira de meu bem a toda hora e, mesmo assim se dão bem e se
respeitam e nem brigam como na casa do vizinho, onde porrada e gritaria é mais
comum que cachorro vira lata na porta de açougue.
Todos
os dias a tia Benê estava de roupa nova, toda empiriquitada e dizendo que não
tinha o que vestir. De manhã, ficava deitada no sol, lagarteando numa cadeira
branca que mais parecia uma cama, na beira da piscina. Aí ela ficava quase sem
roupa, toda bonita, se virando de um lado para o outro como churrasco no
espeto. Parece uma artista, sempre com a boca vermelha, e não faz nada. É só
tocar uma campainha, uma empregada aparece.
É
empregada pra cá, empregada pra lá, eu acho que até pra tomar banho ela tem
empregada. Se ela tivesse bicho de pé, aposto que arrumava uma empregada só pra
coçar o dedão dela. A mãe, não. É a primeira a se levantar e a última a se
deitar e dá conta de tudo em casa, com agente dando uma mãozinha. Ela nem olha
no espelho. Penteia o cabelo de manhã, passa uma água na cara e já vai pro
fogão e pro tanque. E é tão bonita!
Tia
Benê toma café na cama, um bandejão cheio de coisas gostosas que é um
desperdício pois ela só lambisca; tem suco de laranja, bule de chá, café,
leite, mamão, danone, melão, uva, queijo, presunto. Depois vai pro espelho. E
lá fica lambuzando a cara de cor branca, de cor roxa, de cor amarela, de
cor de rosa, tira tudo, põe de novo fica olhando pro espelho. Qualquer dia ela
pergunta pra ele, espelho, espelho meu, e vira bruxa.
Ainda
bem que eu não era Branco de Neve, senão tava correndo perigo com tanto espelho
na parada.
— 4 —
Tia
Benê me levou pra fazer um teste no colégio onde eu ia estudar. Ela foi
dirigindo, toda bonitona, o Júnior foi junto, fazendo pouco de mim:
—
Duvido que você passe no teste. É muito difícil, precisa estar preparado. Acho
que você não vai conseguir ficar nem na terceira séria, quanto mais na quinta.
—
Deixa comigo, respondi.
O
Júnior não sabia que eu sempre fui um bom aluno e que sempre gostei de estudar.
Ele
não sabia que eu não era tão ignorante como parecia, apenas falava como o
pessoal da minha cidade fala. Nem desconfiava que a tia Olga, professora de
português, sempre me emprestava os livros dela, que eu adorava ler e que eu
queria escrever livros quando fosse adulto. Só porque eu falava algumas
palavras erradas, não ia ser reprovado num. teste qualquer.
O
Júnior nunca seria meu amigo. Ele poderia, no mínimo, ter torcido para eu não
fazer feio, puxa, mas o desgraçado só foi poucando de mim, e eu louco para
pegar o pescoço dele e torcer que nem pescoço de galinha.
Não
me deixei impressionar nem com o tamanho, nem com a beleza daquele baita
prédio, fiz o teste, passei e pronto.
E
voltamos pra casa. Por falar nisso, casa de rico é uma chatura, é tudo tão
arrumadinho, só tem comida e belezura. E empregados. Não tem mãe gritando e
ralhando com a gente, mas também abraçando e fazendo carinho, não tem criançada
fazendo bagunça, não tem galinha com pintinho no quintal, não tem porta aberta
o dia inteiro pros amigos entrarem sem bater, na hora que querem, só gritando ó dé casa,
entrando e sentando na cozinha pra tomar café, ou no quintal pra chupar fruta
no pé. E tudo tão arrumadinho, tudo tão limpinho, que dá até medo de sentar nas
cadeiras, estar com o traseiro sujo e manchar a lindeza dos sofás. E, quando
chega o pessoal da idade da gente, não tem nada o que fazer, só ver televisão,
conversar. Quando vem visitas, a gente fica de longe espiando os adultos
conversando, fazendo há há há, tomando bebidas e tal e coisa. Uma moça, uma tal
de Loreta, a melhor amiga de tia Benê, não saia de lá. Uma lindeza de gatona,
sempre de saia curta, deixando um pernão grosso de fora, muito gostosona, com
pulseirinha de ouro no tornozelo. Um dia peguei a gatona lançando uns olhares
engraçados pro lado do tio Alberto, e ele, não queria nada, disfarçando, mas
olhando guloso pra ela.
Ali
tinha coisa, pensei muito sabido. Como tenho faro de escritor, o que eu quero
ser quando crescer, investigo tudo. E resolvi conferir aquele caso, perguntando
pra D. Consuelo o que ela achava. D. Consuelo foi taxativa:
—
Ih, os dois tão de caso.
—
A senhora acha mesmo, D. Consuelo?
—
Você reparou se o olhar dele era morno, derretido?
—
Reparei. Era.
E
ele ficou sem jeito, como quem tem culpa no cartório, com medo da sua tia
perceber?
—
Ficou.
—
Então, tão.
E
era mesmo verdade. Os dois apertavam as mãos quando não havia ninguém por
perto, ela telefonava e falava com ele, quando tia Benê não estava e, a certeza
se confirmou, quando peguei os dois se beijando na biblioteca. Saí de fininho
sem ser visto. O tio Alberto era um traidor, todo metido a santo.
Eu
não entendia mesmo os adultos. Era amorzinho, meu bem pra cá, amorzinho, meu
bem pra lá, e aquela traição nas costas. Fiquei até com dó da tia Benê, ela era
fresca mas não merecia um castigo daqueles, ser traída por sua melhor amiga.
Guardei
comigo aquele segredo, eu não tinha mesmo pra quem contar, fora D. Consuelo, é
claro. Nem pro Dínamo e pro Chicote eu contei, pois eles poderiam. se revoltar
contra o tio Alberto, e aqueles cachorrões bravos eram de dar medo. Imagine se
eles resolvessem deixar a lealdade de cão e castigassem o tio Alberto tirando
um naco do corpo dele?
Quando
o tio Alberto falou que eu já estava matriculado no Rio Branco, com o Júnior, e
que estava tudo acertado, e que as aulas iriam começar dentro de vinte dias, eu
já não aguentava mais. Não aguentava mais porque todas as coisas simples eram
muito complicadas. Eu não podia imaginar como é complicado comer na casa de
rico. Até banana se come com garfo e faca. Eu gosto mesmo é de comer misturadinho
num prato fundo, e com colher. Logo eu
vi que nunca eu iria conseguir comer como eles. Comida sem feijão e sem amassar
bem, misturando tudo numa pasta, não é comida que se preze. Lá eles comiam uma
coisa de cada vez, e não botavam nenhuma tigela em cima da mesa. As comidas
tinham que ser tiradas da bandeja do Berto, um homem que trazia o rango pra ver
se agente queria. Pode? Um homem com farda listada fazer isto? Um baita homem?
Feijão, só na cozinha, só os empregados passando bem. Até que as comidas eram
gostosas, mas muito diferentes. Aqui em casa, é o feijão com arroz, batata com
picadinho, angu ou verdura. A mãe faz o prato e dá pra gente. Só quando tem
visita é que vem tigela pra mesa. E não sobra nada, de tão boa que é a comida.
Lá, que desperdício, gente. Tia Benê e o tio Alberto comiam só um bocadinho. O
Júnior era enjoado que nem ele só.
—
Estou muito gorda, preciso emagrecer.
Era
isto que tia Benê, uma magrela, com uma saboneteira saliente, vivia falando. E
comia um pouquinho só daquela comidarada que não sei pra onde ia, porque quando
a gente sentava na mesa outra vez, era tudo diferente.
Foi
quando eu peguei o pedaço de frango assado com a mão para dar aquela dentada
gostosa que tia Benê ficou muito zangada e disse:
—
Eu acho que este rapazinho não vai aprender jamais e comer como gente
civilizada, Alberto.
Ela
vivia achando coisas de mim, e foi aí, que o saco encheu de uma vez, e, criei
coragem para pedir pro tio Alberto:
—
Tio, quero voltar para casa. Não acostumo aqui.
—
Não se fala nisso, respondeu ele. Você vai começar suas aulas logo. As férias
não estão agradáveis porque nossa casa de praia está em reforma.
—
Nós temos uma casa em Ubatuba, disse o Júnior.
O
Júnior adorava contar pra mim o que eles tinham. Não perdia a chance pois achava
que estava me humilhando.
A
gente tem barco, a gente tem praia, agente tem...
Se
não fosse o tio Alberto, o Júnior ficava tendo e tendo e tendo toda a vida.
—
Chega Júnior. Nas próximas férias você achará mais divertido e já estará com
novos hábitos, Joel.
Não
adiantou eu falar e pedir, implorar, choramingar, botar pelo amor de Deus no
meio, nada. O fresco do Júnior ficou rindo de mim, sabe, aquele risinho de boca
fechada eu fiquei pensando que não queria adquirir novos hábitos, que não havia
nada de errado com os meus velhos. Eu ia pastar naquela casa, e, fiquei louco
de vontade de chutar meu primo por debaixo da mesa, um bom chute na canela para
ele parar de ter e de me olhar com aquela cara de riso.
Isto
aconteceu no décimo dia e eu até pensei em fugir.
Primeiro
eu corri para a D. Consuelo. Ela estava quietinha, onde eu tinha escondido a
danada. Quando D. Consuelo perguntou o que eu tinha a perder, eu não soube
responder.
Nunca
eu tinha visto D. Consuelo tão preguiçosa, sem vontade de conversar, numa crise
de torpor de dar gosto.
—
A senhora parece que também não está se acostumando neste castelo, não é D.
Consuelo? perguntei.
—
No momento, eu não tenho vontade de nada, meu filho. Nem de acostumar, nem de
desacostumar. Volte mais tarde, sim?
Tive
que deixar minha lagartixas seca de repouso, todo mundo tem seu dia de preguiça
e fui para o quintal resolver o problema que eu tinha na cabeça, que já estava
crescendo tanto, inchando tanto que poderia não caber mais lá dentro e sair
pela boca aos gritos.
Troquei
idéias com o Dínamo e dom o Chicote, mas eles foram contra.
—
Se você fugir, disseram eles, vai se perder nesta cidade que é muito grande e
nunca vai encontrar o caminho de sua casa. Além disso, sua casa é muito longe e
você não tem dinheiro.
—
O que faço então? Não vou aguentar tanta frescura. Estou com saudades da mãe,
de tudo, respondi desanimado, quase chorando.
—
Homem não chore, ânimo meu rapaz, disse Dínamo.
—
Não chora uma ova. Só porque não nasci mulher não tenho meus sentimentos?
Não
sinto falta da minha mãe e do resto?
Aí
eu chorei, fingi que tinha uma baita dor no pé, mas a dor era outra, fingi que
dor na minha cabeça, fingi que tinha dor de dente, que estava com raiva pra
chorar à vontade sem fazer feio. Quando parei de chorar já tinha derramado todas
as lágrimas que eu queria, perguntei outra vez:
—
Que faço então ?
—
Use a cabeça disseram eles. Você vai jogar fora a oportunidade de estudar num
bom colégio.
—
O que há de errado com a escola onde eu estudei? Não passei no teste?
É,
eu podia ser um menino caipira, pobre e chorão, mas de burro eu não tinha nada,
fora a burrice que eu já tinha feito quando tinha aberto o bico e pedido para
morar naquela casa achando que iria tirar a sorte grande. Pois é, o conselho
dos meus amigos Dínamo e Chicote foram virando boas idéias dentro da minha
cuca. Eu percebi que o tio Alberto não iria me soltar fácil. O jeito era fazer
com que ele me mandasse de volta para casa. Aí eu iquei pensando nas artes que
os adultos acham que a gente faz, mas que só é arte de criança quando vão
contra as vontades deles. E fiquei pensando nas coisas erradas que eu poderia
fazer, erradas para eles mas, que para mim, até que eram certas. Nas coisas que
não eram muito certas nem para mim, nem para eles. Nas coisas que poderiam
fazer de mim uma má companhia, um garoto safado. Nas coisas que poderiam fazer
de mim um trambolho, um cara que dá trabalho. E pensei, e fui enchendo minha
cuca de pensamentos e ideias, fazendo as ideias que não servirem saírem para
dar lugar para as idéias que eram legais e que tinham chance de dar certo.
Juntei uma porção delas e, arrumando-as direitinho na minha cabeça, uma em cima
de outra, pra usar uma de cada vez, e para começar a agir começando com a ideia
mais simples que estava em cima da pilha. Eu estava decidido a usar todas as
minhas ideias, mesmo que precisasse usar a que estava debaixo de todas e era a
mais terrível e poderia balançar as saudáveis estruturas burguesas daquele
santo lar.
— 5 —
Na
mesma noite do primeiro dia de ação e destruição, peguei minha primeira idéia
para ser usada. Fui no quarto da tia Benê e consegui achar uma camisola cheia
de renda, toda preta. Em vez de usar o horrível pijama de bolinhas que me
deram, fiquei todo peladão e vesti aquela roupa afrescurada da tia Benê. Ficou
meio grande, não muito, porque tia Benê era magrinha e quase morri de rir
quando olhei no espelho.
Até
D. Consuelo riu quando me exibi pra ela vestido de mulher.
—
Pinta a boca, disse ela, fica mais legal.
—
Eu, hein? Tá louca D. Consuelo? respondi até ofendido. É só pra assustar eles,
pra que achem que não sou flor que se cheire.
—
E se você dormir e acordar mulher?
Será?
Vira essa boca pra lá, respondi medroso.
—
Nunca se sabe, respondeu ela.
Viro
não, resolvi decidido.
—
Você tem alguma coisa contra mulher? perguntou minha largatixa ofendida, Eu sou
mulher e me sinto muito bem. Lagartixa, porém mulher.
—
É, mas nasci menino e também me sinto muito bem sendo homem.
—
Não liga não, disse D. Consuelo. Você até que dava uma menina bonitinha.
—
É, concordei. Até que dava uma gatinha. Mas isto que eu estou fazendo é só
hoje, só agora, pra eles pensarem que não sou muito certinho e sou má companhia
pro Júnior. O pai sempre falou pra eu andar longe desses caras, dos maricão que
gostam de se passar por mulher .
—
Vão rir de você, disse D. Consuelo.
—
Não faz mal. Depois vamos voltar para casa. Vou ser feliz outra vez, gritei.
Caí
na cama e dormi, esperando pra .ver no. que dava. E deu. Foi um escândalo
quando a empregada entrou no quarto no dia seguinte (Ela vinha me acordar todas
as manhãs, não sei porquê e me viu todo enrolado na camisola da tia. Pra dizer
a verdade me arrenpedi de ter usado aquela ideia e ter aprontado aquele
espetáculo. Ô lôco! Foi um reboliço, um falatório danado e fiquei até com medo
que a notícia chegasse nos ouvidos do pai e da mãe e que, a turma lá de casa
pensasse que eu tinha virado marica em São Paulo.
Não
que eu me importasse que falassem de mim na casa do tio Alberto, eu queria
mesmo que pensassem o pior e me mandassem embora por ser má companhia para meu
primo.
Nem
me importei com o deboche dele, pensando que estaria logo livre. Podiam pensar
o que quisessem. E pensaram mesmo.
Ouvi
tia Benê falar alto:
Alberto,
eu acho que este guri não é companhia para o Júnior.
Para
tia Benê eu era guri, moleque, rapaz, rapazinho, garoto, fedelho, pirralho,
tampinha, baixinho, menos Joel.
Mas
tio Alberto tinha a cabeça dura e deixou tia Benê achando. Me levou pra
biblioteca pra ter uma conversa de homem pra homem e me explicou uma porção de
coisas que eu já sabia mas que fingi que nunca tinha ouvido. O Júnior debochou
de mim e passou o caso pra todos os amigos dele, os empregados da casa me
olharam enviesado e cantavam baixinho, quando eu passava perto deles, aquela
tal de música "Telma eu não sou gay" que eu nem sabia o que era mas que agora eu
sei.
A
minha primeira ideia não tinha sido nada brilhante. Aliás, parece que não tinha
tido nem um pouquinho de luz, quanto mais brilho, só tumultuou, agitou, deu um
ti-ti-ti danado, mas não causou o efeito desejado. Mas eu peguei a segunda
idéia para usar e tinha duas semanas inteiras para esgotar a pilha que eu tinha
guardado na minha cabeça.
A
minha segunda tentativa de ser considerado moleque safado foi a seguinte.
Peguei geléia de morango e de ameixa, bem vermelhinhas, mais uma goiabada
molinha que encontrei na dispensa. Sem ninguém ver, entrei no Monza da tia Benê
e passei tudo aquilo na direção, com muito cuidado, como se estivesse usando um
pincel em vez dos dedos, com a vantagem de se poder lamber os dedos e aproveitar
a gostosura. Era mesmo até um pecado gastar geleia pra melecar a direção. Eu
tinha pensado em usar outras coisas, ia até pedir emprestado um pouco do cocô
do Dínamo e do Chicote (aprendi com a tia Benê falar cocô, sujeira, caca,
meleca, em vez da palavra que eu usava). Mas quando examinei o material, vi que
eram troços duros e esfarelados por causa da comida que dão pros coitados, uns
biscoitinhos que vem do supermercado dentro de um saco com o desenho de um
cachorro de cara muito feliz. Até cocô de cachorro de rico é diferente, nem
fede, nem meleca. O do Bruzundunga era certinho pra fazer aquela tarefa. Mole,
fedido e meladinho.
Também
o coitado só come resto de comida, quando sobra, porque às vezes não sobra nem
pra gente, que fica com a barriga pedindo mais... Por isso o Bruzundunga se
vira como pode pelo quintal e pelas latas de lixo da rua, às vezes andando um
bocado pra achar qualquer coisa pra enfiar no buraco cheio de fome.
Assim,
a minha ideia original foi mudada, pelas circunstâncias, por geleia, por falta
de matéria-prima adequada para executar a tarefa. Geleia, também, é menos
nojento pra gente meter a mão. Não que eu me importasse que a fresca da tia
Benê lambuzasse a mão com a porcaria, era na minha que eu pensei.
—
Bem, o serviço feito, era só esperar o efeito. Fiquei sentado ali por perto,
como quem não queria nada, assuntando e esperando. O Júnior chegou e sentou do
meu lado, tirou uma meleca do nariz, puxou prosa, contou lorota, o que ele
fazia e não fazia, falou das gatinhas, o que ia ter e o que já tinha, o que ele
sabia e eu não. Ele, que nunca ficava perto de mim, que me deixava sozinho e
não gostava de brincar comigo, ali ficou de sentinela também. Até que a mãe
dele apareceu, ia sair pra comprar. O jardineiro correu para abrir o portão
assim que viu a madame entrando no carro. O grito que ela deu quando melecou a
mimosa mão foi fora de propósito. Ela gritava que era sangue. Puxa vida parecia
geleia mesmo, tinha até pedacinho de morango grudado, sementinha de goiaba, uma
porção de evidências que sangue não tem, mas ela cismou e, quando mulher cisma,
não adianta. O grito dela foi tão forte que correu todo mundo, menos eu, ali
esperando que me mandassem embora. Levaram acoitada pra dentro, puxa vida, não
era pra dar tanto chilique, era só pra ficarem zangados comigo.
O
escândalo danado que ela fez, chorando, o tio Alberto acalmando, o Júnior me
xingando, não precisava ser feito. O coitado do tio Alberto nem saiu para
trabalhar onde ele trabalhava, não sei onde, só sei que não era de carteiro
porque saia de roupa branca em vez de amarelo.
Lá
fui eu, outra vez, para a biblioteca, e ele me pedindo para não fazer mais
gozação com a tia Benê, que era muito nervosa, que só podia ser eu o autor da
peça e tal e coisa.
Mesmo
com a tia Benê repetindo:
—
Alberto, acho que foi seu sobrinho... ele continuou durão, deixando tia Benê
achar à vontade. Eu tive que lançar mão de minhas outras ideias e fazer a minha
pilha diminuir, gastando uma porção delas.
— 6 —
A
terceira ideia foi esconder as fitas de videogame do Júnior. Não deu muito
certo, até que gostaram porque ele não saia de frente do jogo. O único
resultado foi uma briga pra valer com ele, mas como sou bom de braço, ele
apanhou e saiu chorando, só os empregados estavam em casa na hora em que agente
se pegou. Separaram a gente, contaram para tia Bene que contou pro tio Alberto
que continuou durão, não querendo me mandar embora.
A
quarta ideia foi jogar gente vestida na piscina. No começo ficaram zangados,
depois riram e, como fazia um calorão danado, aproveitaram para se refrescar,
dar umas braçadas, naquela rara oportunidade de entrar dentro da piscina do
patrão. Depois que saíram fingiram que estavam zangados, mas ninguém ficou no
ponto de me mandar pra casa. Depois joguei o Dínamo e o Chicote que adoraram,
só que não sabiam sair de lá e escorregavam quando tentavam subir na beirada e
eu tive que tirar os coitados, estavam ficando cansados e podiam morrer
afogados e, se havia alguém que eu gostava eram aqueles dois amigões. Já o
Júnior ficou pê da vida quando empurrei o babaca de roupa e tudo pra dentro
d'água. Me xingou e disse que me pegava, mas não reclamou pro pai nem pra mãe
dele e me deu o troco me empurrando pra água quando quis se exibir para duas
gatinhas que estavam por lá.
Meio
desanimado, já tinha gastado quase toda a pilha. Procurei meu amigos Dínamo e
Chicote:
—
Puxa vida! Não estou dando uma dentro. Já pisei com o pé sujo no tapete do
salão, derrubei a bandeja do Berto na mesa, amarrei os cordões dos sapatos da
casa inteiras passei um dia inteiro escondido dentro de um baita armário
deixando todo mundo me procurar (esta foi boa, mas muito desconfortável), não
dei descanso pra ninguém, não dei descarga nos banheiros e... nada!
Tudo
que era proibido em casa e coisas que sabia que não deveria fazer foram feitas.
D. Consuelo continuava na modorra quase dormindo, sem conversar comigo. Todos
sabiam que eu o aprontador e que tava agitando o pedaço, o Júnior continuava me
xingando, tia Benê continuava achando, mas eu continuava lá.
Tio
Alberto estava mesmo decidido afazer a boa ação de educar um sobrinho. Só que
ele queria educar o coitado do sobrinho naquela casa e não na casa do sobrinho.
Me dava conselhos, explicava, pedia pra eu ser bonzinho, e coisas parecidas.
—
Tio Alberto, eu não presto, enjoei de dizer. Me leva de volta pra casa. Não
acostumo aqui.
Mas
ele vinha sempre com a mesma lenga-lenga:
—
Você acostuma, Joel. É só dar tempo. Logo você não vai querer nem falar da sua
casa. Aqui é sua casa agora.
A
cabeça dura do tio Alberto não mudava.
Bem,
eu tinha certeza que, quando voltasse, ia enfrentar uma barra pesada com o pai
e com a mãe, depois de todos os conselhos que ela tinha enfiado nos meus
ouvidos. D. Consuelo, meio dormindo, meio acordada, me avisou:
—
Meu filho, você está aprontando tanto que é melhor tratar de se acostumar por
aqui, fazer o que eles querem, de se ajeitar com as frescuras de rico.
—
Eu sei D. Consuelo, que vou apanhar, que o pai vai ficar bravo e a mãe também.
Mas
eu não aguento mais de saudades da mãe e...
—
Não vai ser fácil, meu filho, continuou ela.
Quero
ir pra casa, botar o pé no chão, ver meus amigos, dormir no meu lugar, brincar
na rua, empinar pipa, chupar fruta no pé, comer frango e banana com a mão,
continuei eu levar uma coça danada quando seu pai souber das novidades, porque
ele vai saber, continuou ela receber os ralhos da mãe, mas também os carinhos
dela, continuei eu.
Eu
e D. Consuelo ficamos continuando até tarde da noite. Mas de nada adiantou pois
eu estava desanimado, mas não vencido.
— 7 —
Foi
aí que, não sei se foi o Dínamo ou o Chicote, deu um palpite feliz, depois de
me escutarem com paciência:
—
Dá uma de louco. Quem sabe eles ficam com medo de você.
—
Boa! Concordei.
Agarrei
minha penúltima ideia, deixando a mais terrível para o fim, a que eu não queria
usar a não ser que não tivesse outra saída.
A
maior proibição do pai é subir no telhado da casa que é cheio de telhas soltas.
Peguei
essa ideia e combinei com a dos meus amigos cachorros, chacoalhando bem as duas
como se estivessem dentro de um vidro, e resolvi subir no telhado pra fazer o
tio Alberto ir lá em cima me buscar, fingindo que estava escorregando, fingindo
de doidão lá em cima. A ideia ficou bem melhorada quando foi misturada.
No
começo achei que não ia dar pé. A casa era muito alta e não havia nada perto da
parede para se subir, nada para agarrar. Mas eu já estava cansado e tinha de
tentar tudo. E tentei e achei. Num banheiro do terceiro andar, ao lado do salão
onde cacarecos eram guardados junto com livros e revistas velhas, passei para o
lado de fora me espremendo numa janelinha e me agarrei numa calha. Puxa, tive
que dar uma de macaco sem rabo para chegar lá em cima, a calha balançando como
que ia cair, mas consegui me agarrar e chegar lá em cima. Depois de conseguido
tive que ficar um tempão sentado, esperando meu coração parar de bater forte,
morto de medo de cair pois era muito alto lá em cima. Mesmo sem telhas soltas,
se eu caísse de lá não ficaria inteiro, alguma coisa em mim ia rachar ou
quebrar. Depois, sentei na beirada e fiquei esperando ser notado. Mas qual o
quê! Ninguém me olhava, ninguém me via.
Lá
de cima eu observava o mundo em baixo. Cada pessoa só olhava para ela mesma e
pro seu trabalho. Uma cambada de gente egoísta cuidando só de si mesma, me
deixando lá em cima louco pra ser olhado e notado. O jardineiro cortava a grama
na frente, encostado num canteiro de azaleia. A cozinheira foi até ele, toda
regateira, levando um prato de bolinhos. Ele comeu todos eles, gostou, fazendo,
hum, hum, e deu um beijo nela. O motorista limpava um carro, assobiando. Eu
ouvia o assobio dele, fininho, desafinado. O Chicote e o Dínamo sentados e
olhando sem me ver, esperando-
-se sabe-se lá o que, conversando, mas sem colaborar comigo.
-se sabe-se lá o que, conversando, mas sem colaborar comigo.
—
Puxa vida, gritei bem alto, eu aqui e ninguém me olha, ninguém me vê.
Nada,
era de endoidar. Até achei, naquela hora que eu nunca mais voltaria para minha
casa. Aí eu chorei, fingindo estar com raiva, porque homem só pode chorar
quando tem raiva ou muita dor, o que eu tenho minhas dúvidas se é mesmo
verdade, acho que alguém inventou esta besteira pra atrapalhar a vida dos
coitados quando eles querem derramar honestas lágrimas.
Depois,
sequei o ranho na manga da camisa e fiquei de pé. Aí eu me lembrei de um galo carijó, com um baita esporão e uma
crista vermelha muito caída que costumava fazer ponto no telhado de minha casa.
E comecei a cantar como se fosse ele que tivesse voado pro telhado da mansão do
tio Alberto, um genial cocoricocó que ecoou bonito e bem alto:
—
Cocoricocó! Cocoricocó! Cocoricocó! Cocoricocooooooooó!
Eu
já começava a ficar rouco e o cocoricocó ficando grosso, quando o jardineiro
parou e me olhou ficou com a mão no ar segurando a ferramenta, depois largou a
danada no chão, se levantou, bateu o pé cheio de terra no caminho do jardim,
limpou a mão no macacão e saiu correndo para o lado da cozinha. O motorista,
quando viu o outro correndo, parou de assobiar e ficou olhando. Depois, foi
atrás dele. Aí, então, começou ajuntar o pessoal da casa, até o Berto apareceu,
o Dínamo e o Chicote começaram a latir, de pé, muito interessados.
—
Desce daí, Joel! gritaram todos.
—
Como foi que ele subiu lá?
—
Esse moleque é de morte! E eu:
—
Cocoricocó! Cocoricocó! todo animado com o fuzuê lá em baixo. O Berto falou:
—
Calma, pessoal, vou telefonar pro Dr. Alberto.
—
Chama a D. Benê também, disse o motorista.
—
E como é que se acha a D. Benê? Como vou saber em que shopping ela se meteu?
respondeu o Berto.
O
Júnior apareceu lá em baixo. O babaca estava de boca aberta, de queixo caído,
apalermado, olhando pra mim, roxo de inveja, querendo estar ali em cima também,
mas eu sabia que coragem pra dar uma de macaco e subir daquele jeito, nunca ele
teria.
Eu
estava muito feliz com o meu cocoricocó, abrindo e fechando os braços como se
fossem asas, todo doidão, olhando pra baixo a zona que tinha se formado.
Arranjaram uma escada, mas ela mal passava do andar térreo. E eu continuava
coricocando como se já até estivesse acostumado a ser galo.
—
Sobe, Júnior, vem aqui se você é homem, gritei, parando de cocoricar.
Ele
me olhava, louco da vida, sabia que não tinha peito para subir, nunca tinha
subido numa árvore, e, pra falar a verdade, nem eu mesmo sabia como tinha
conseguido chegar até lá.
—
Tomara, que você caia e quebre esta cabeça de jacu e que seus miolos se
esparramem pelo chão, respondeu ele fulo da vida.
Desistiram
da escada.
—
Não vai dar pé! gritou um deles. A escada não chega lá.
—
Espera O patrão chegar, gritava outro.
Agora
sim, eu tinha criado um caso e tanto. E tinha conseguido lá em baixo uma
belezona, capaz de me mandar de volta pra casa.
Quanto
tio Alberto chegou, pediu silêncio e todos obedeceram o patrão.
—
Joel, não se mexa, não se agite, falou olhando de lá de baixo pra mim. Vamos
tirar você dai.
Então
eu fiquei de pé, bem na beiradinha, bem na pontinha, com um medão danado, e
comecei a bater os braços, como se fosse voar:
—
Cocoricocó! Cocoricocó!
Tio
Alberto ficou branco de medo, acho que pensando no que iria dizer pro pai se eu
caísse dali e esparramasse os miolos, os intestinos e o sangue pelo chão. Xi! Que
estardalhaço estava acontecendo lá em baixo. O fuzuê durou bastante tempo, eu
já estava até enjoado de ficar lá em cima, tia Benê chegando de comprar, eu no
meu canto de galo, eles lá em baixo gritando e tio Alberto pedindo calma.
Alguém
telefonou e chamou os bombeiros e foi emocionante. Parecia fita americana de
televisão, o carro vermelho entrando pelo portão, tocando sirene, a rua cheia
de gente, de curiosos que foram entrando atrás deles, lá em baixo coalhado de
gente que eu nunca tinha visto.
Esticaram
uma escada comprida e um soldado muito simpático subiu e me tirou de lá. Me
senti muito importante, foi a glória, mas, com tudo aquilo, tio Alberto não
amoleceu.
—
Você está perturbando um bocado a rotina desta casa, disse tio Alberto antes de
me passar um sabão.
—
Por que ele não caiu de lá e não se esborrachou nó chão? Estava tudo resolvido,
falou o besta do Júnior.
Poxa,
ele queria ver mesmo a minha caveira.
—
Mas, mesmo assim, meu rapaz, você vai continuar aqui e se enquadrar, porque
prometi que vou fazer de você um homem.
Tio
Alberto começou o sabão e patati, patatá, durante um bom tempo. Como se eu
precisasse da ajuda dele para me tornar um homem.
Era
de desanimar. Ser perdoado, apenas um sermão de hora e meia na biblioteca, e
continuar ali até crescer. Não, eu teria que lançar mão da minha mais terrível
ideia e balançar todo aquele lar. Era uma pena, no fundo eu não tinha nada
contra eles, eram até legais do modo deles, eu é que era um peixe fora d'água,
um ingrato. Mas preferia ser um ingrato e voltar pra casa.
— 8 —
Fiquei
de castigo um dia inteiro, no meu quarto e, ainda bem que D. Consuelo estava
lá, meio molenga, é verdade, mas minha amiga e companheira.
—
Joel, meu filho você ainda vai se dar mal com estas aprontações, disse ela.
—
Eu sei, D. Consuelo. O pai vai ficar louco da vida comigo, a mãe vai ralhar
muito, vou apanhar, mas prefiro. Agora é questão de honra!
—
Você está desperdiçando uma boa educação, um bom colégio.
—
Quando chegar em casa, vou estudar mais ainda, vou ler até jornal que é chato,
prometo. E volto quando puder ser um grande escritor.
—
Joel, meu filho, falar é fácil, mas a vida não é assim, tudo é preciso
sacrifício.
—
Tá bem! Tá bem! Faço sacrifício em casa.
No
dia seguinte ao do meu castigo, fiquei de olho vivo, esperando a oportunidade.
Eu
queria usar minha última idéia sem causar muito estrago e para isso teria que
ser muito cauteloso.
Na
sexta à noite apareceu uma porção de gente para jantar. Todos eram pessoas
acostumadas com a casa, a maioria eu já tinha visto por lá. Eu e o Júnior fomos
jantar na copa graças a Deus, porque pra sala o Berto levou uma bandeja cheia
de caracóis graúdos.
O
Júnior falou que era papa fina um tal de escargô, francês, e eu fiquei livre de
comer lesma com pinça.
O
jantar da sala terminou. Eu fiquei de olho, bestando, espiando as visitas,
especialmente as moças que estavam bem arrumadas. A tal de Loreta, a melhor
amiga da tia Benê, estava um avião, com um vestido azul, toda enfeitada de
cordão de ouro e um brinco de botucudo pendurado na orelha direita. Tio Alberto
saiu da sala e foi para o corredor. Sumiu. Pouco tempo depois a Loreta também
saiu da sala. Fiquei um tempinho olhando e só dava a tia Benê falando, falando,
sacolejando os braços cheios de pulseiras douradas, falando, falando, rindo, rindo,
fumando, fumando.
Como
cobra rastejante, fui pra biblioteca. Tentei abrir a porta. Estava fechada. Dei
a volta pelo jardim para ver se poderia entrar pela porta que dava pro teuaço,
que muitas vezes ficava aberta. Era uma espécie de janela baixinha, quase uma
porta, com cortinas transparentes. Quando tio Alberto queria falar comigo e me
deixava trancado lá, esperando por ele, eu costumava fugir por aquela janela
quase porta. Lá estavam as cortinas esvoaçando pro lado de fora por uma
aberturinha que dava muito bem pra eu passar. A biblioteca, estava mais para
escura, só um abajur aceso. Entrei devagarinho. Os dois estavam lá dentro, como
eu havia desconfiado, olho no olho, mão na mão, falando tão baixinho que não
dava nem pra eu escutar, lá no fundo. Aí os dois passaram do olho no olho e da
mão na mão para o beiço no beiço e foi um tal de desentupir pia, igual aqueles
que faz com que o cinema de minha cidade venha abaixo de tanta gritaria. Eu
fingi que estava no cinema e soltei um grito de guerra de larga o osso,
fechando até os olhos para beijar melhor.
Quando
abri, primeiro o esquerdo, depois o direito. os dois estavam mudos, olhos arregalados como se eu fosse o fantasma da
ópera. A Loreta com uma mão na boca e a outra se segurando na beirada de uma escrivaninha
pra não cair estatelada no chão, o tio Alberto duro. em transe. Fiquei
esperando o tio Alberto recuperar a consciência e cair na real. Primeiro, ele
piscou e ficou piscando um tempo, depois fez hum, hum, como se desejasse ficar
livre de um pigarro no gorgomilho, depois, botou as duas mãos no bolso das
calças e deu uma chacoalhadas nas pernas. Eu eu, vendo que ele parecia normal,
perguntei:
—
Vou voltar pra casa ou não?
—
Joel, não é o que você está pensando, tentou ele.
A
Loreta, que estava mudinha da silva, só abriu a boca pra perguntar baixinho:
—
Por onde ele entrou?
Mas
ninguém deu confiança pra ela e eu continuei:
—
Tio Alberto, ou eu vou pra minha casa, ou eu abalo a harmonia deste seu santo
lar.
—
Joel...
—
Começo a gritar e conto pra tia Benê.
—
Joel...
—
É pra já, vou começar.
Senti
que ele estava amolecendo, cedendo, a fortaleza se desmoronando, pelo jeitão
dele. O cabeça dura, o durão, o obstinado, o turrão tinha perdido a parada por
causa de um rabo de saia.
—
Amanhã ponho você no carro e levo.
—
Sem contar minhas patifarias pro pai e pra mãe?
—
Está bem. Ganhou.
Foi
uma viagem de volta horrível, sem ele dizer uma palavra e eu, envergonhado pelo
que tinha feito, com um medão danado do que estava para acontecer, as horas
mais agoniantes da minha vida.
—
O Joel não se adaptou em São Paulo, disse ele pro pai, que ficou pê da vida
comigo, como se eu tivesse que gostar de casa de tio rico por obrigação.
E
assim, aqui estou eu, de volta pro lar, com uma sacola estourando de cheia, D.
Consuelo no bolso e uma vontade enorme de ficar aqui até acabar de crescer.
*****