quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Certa vez me pediram para fazer meu currículo, eu, cheia de ideias burbulhando, soltei a imaginação! Quando uma vizinha muito amiga viu, AMOU, então, resolvi publicar!

AUTOBIOGRAFIA


Se...


        Provavelmente eu teria seguido uma gloriosa carreira política SE eu não estivesse tão cansada, depois de um trabalho tão exaustivo executado para o prefeito de Araraquara.
        Eu vivi lá por dois anos, estava comissionada na Secretaria de Cultura e Turismo para fundar um museu para a cidade. Com a ajuda de verbas municipais consegui desempenhar meu papel rapidamente e a contento.
        Foi um erro, o senhor prefeito entusiasmou-se comigo, a moça da capital, e nomeou-me Secretária Municipal de Turismo, com a primordial tarefa de promover um carnaval de arromba para o povo, uma de suas promessas de campanha.
        O trabalho foi exaustivo por que eu não tinha uma equipe, não tinha nem competência, nem aptidão para levar a cabo tal empreitada. Mas, movida pela necessidade de sobrevivência pessoal e de verbas para o museu, consegui, a duras penas, por o samba na avenida.
        Na quarta-feira de cinzas, uma comissão composta pelos sambistas da cidade me tirou da cama para me entregar um abaixo-assinado com quase quatro mil assinaturas, números de RGs, endereços, pedindo para que eu me candidatasse à vereadora. Mas eu estava exausta, preferi ir para Salvador descansar e, logo depois, voltei a morar em São Paulo.
        Provavelmente eu seria uma famosa escritora de novelas SE eu não (que horror!) tivesse vomitado meu café da manhã nas dependências da TV Excelsior, no posto 6 de Copacabana. Eu estava colaborando com um tio de meu marido, que tinha um programa naquela emissora e que, além de ator, era também roteirista. Eu precisava viajar para o Rio uma vez por semana para entregar meu trabalho, e eu estava novamente grávida depois de oito anos, gravidez difícil. Só fiz alguns trabalhos para televisão, desta vez para a Cultura de São Paulo, dez anos depois.
        Provavelmente eu seria uma artista plástica SE minha mãe, zelosa e curiosa como era uma mãe dos anos 40, não houvesse invadido a sala, na Escola de Belas Artes, onde eu, junto com um punhado de marmanjos, procurava reproduzir numa prancheta os contornos curvilíneos de uma mulher pelada que estava de pé sobre um estrado de madeira, toda iluminada pelos raios de sol que entravam pela janela.
        Provavelmente eu seria uma abastada empresária, dona de uma grande fábrica de congelados SE o período de recessão dos anos 80 não tivesse chegado ao fim e meu marido tivesse voltado a sua vida costumeira. Ele havia sido obrigado, quase falido, a fechar sua empresa, numa época em que eu estava afastada do meu trabalho de professora. Procurei voltar para meu ofício, mas era uma época sem empregos, e ficamos nós dois, burgueses assumidos e consumidores vorazes, sem trabalho e sem dinheiro. Na década anterior, bem antes de nossa tragédia financeira, eu havia alugado uma casa em Wisconsin para uma temporada. E, pela primeira vez, vi comida congelada no freezer da casa. Fiquei maravilhada com a novidade, comprei um livro sobre técnica de congelamento, voltei para casa, retomei minha vida e esqueci o assunto. Com a necessidade de sobrevivência, tirei o livro da estante, arregacei as mangas e coloquei um anúncio no jornal. Foi um sucesso. Comecei fazendo congelados sob encomenda, acabei montando uma cozinha industrial e aluguei prateleiras no freezer do Ceasa. Mas a recessão acabou, a família voltou à vida anterior, marido trabalhando e ganhando o pão nosso de cada dia. A fabriqueta foi vendida e eu voltei às salas de aula.
        Dizem que para ser um ser humano completo, uma pessoa necessita executar três tarefas ― ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Cumpri as três condições, mas também fui professora, intérprete, tradutora, namorada e esposa, mãe, filha e avó.
        Já vivi uma longa vida, cheia de peripécias.
        Haverá ainda mais algum "SE" na minha vida?
        Não sei. Como diz o ditado popular, o futuro a Deus pertence. E, se não fossem os vários "SE", o título desta autobiografia poderia levar o meu nome.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Doroteia e a centopeia


Título: Doroteia, a centopeia

Gênero: Literatura Infantil 
Tipo: Poesia






Para meus netos, minha bisneta e para todas as crianças



DOROTEIA, A CENTOPEIA


Um, dois, três
Vou contar,
Era uma vez...


Um lugarzinho escondido
No canto de um jardim
Um canteiro bem florido
Cheio de verde capim.
 
Entre plantas, escondido
Um mundo de mil bichinhos,
De casas, ruas, zumbidos
De lagartas, bezourinhos.
Borboletas coloridas
E pintadas joaninhas
E formigas diligentes
Vivendo juntos, contente
Com muitos outros insetos
Debaixo de verde teto
Naquele mundo escondido
Sob o canteiro florido
Morava a Doroteia
Uma linda centopeia.
Muito faceira e dengosa,
Corada como uma rosa.

Doroteia era elegante
Gostava de conversar
De namorar e dançar.
Passeava a rebolar
Andando sem tropeças
Mesmo com muitos pés,
(eles eram mais de dez)

Mas Doroteia, a bela,
Batom na boca vermelha,
Brincos de argola na orelha,
Só andava de chinelos.
Com tantos pés no caminho
Tinha medo, a coitada,
de tropeçar na calçada
e cair esparramada
se usasse sapatinhos.

E a bela Doroteia
A dengosa centopeia
Ia sua vida levando
E as chinelas arrastando.

Até que um belo dia
Espalhou-se pelo ar
A notícia prazeirosa
Recebida com alegria
Pelas dondocas dengosas
E por todos os insetos,
os mais calmos e os inquietos,
Que Seu Grilo iria dar
Uma festa de arromba
Um baile de grande pompa.

Foram os vagalumes
Todos eles convocados
Para o baile iluminar,
Deixando com algum ciúme
alguns insetos alados
que não podiam ajudar
acabar com o negrume
para a festa abrilhantar.

Mas, mesmo assim, animados
Todos eles se arrumaram
Todos eles se enfeitaram
Para o baile tão falado.

E o que fez a centopeia,
A dengosa Doroteia?
Na cabeça fez cachinhos
E enfeitou com lacinhos.

Comprou luvas amarelas
Iria usar sapatinhos
Em vez das feias chinelas.

Foi difícil para ela
Todos sapatos comprar,
Tirar suas feias chinelas
Para no baile dançar.

Depois de muita procura
Até que enfim encontrou
Sapatinhos de verniz.
Do mesmo tamanho comprou
E ficou muito feliz
Satisfeita e segura.

Toda bonita e cheirosa
A centopeia dengosa
Se arrumou pra festança
Pra entrar logo na dança.

O baile estava animado
O oco da árvore enfeitado
Tudo bem iluminado
Borboletas coloridas
Misturadas com mil flores
Enfeitavam de mil cores
Aquela parte escondida
Daquele lindo jardim
Cheirando a rosa e jasmim.

E a Doroteia dengosa,
Toda bonita e cheirosa,
As bochechas cor de rosa,
A boca da cor vermelha,
Brincos de argola na orelha,
Sapatinhos nos seus pés
(eles eram mais de dez),
luvas amarelas nas mãos,
Foi a grande sensação
Quando entrou no salão
Andando sem tropeçar
Sem mesmo se atrapalhar.

Estava alegre a festança
Mas Doroteia, coitada,
Ficou logo agoniada.
Tinha os pés doloridos.
Talvez estranhando a mudança
Tivessem ficado feridos.

E ela estava cansada
Chorosa, triste, mancando,
Escondida no seu canto,
Olhando a dança, a festança
Sem poder nela entrar,
Sem poder participar.

Foi então que o Sr. Grilo
Perto dela foi chegando
Dizendo, muito tranquilo:
— Minha amiga Doroteia
Minha amiga centopeia
Você não está dançando,
Está quietinha num canto
Escondendo seu encanto.
Olhe bem os seus sapatos
Estão com seus pés trocados
Os esquerdos nos direitos
E os direitos colocados
Nos esquerdos, pelo jeito.

Doroteia com presteza
Todos sapatos trocou
E correu para dançar
Rodopiou com leveza
Bem nos braços de seu par.

E quando a festa acabou
A dengosa Doroteia
Feliz pra casa voltou.
A bonita centopeia
Jogou seus sapatos fora
E as velhas chinelas calçou.
Nelas acomoda agora
Seus pezinhos descansados
Que ficam esparramados
Soltinhos, bem ajeitados.



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

PRELÚDIO

Neste país não existem agentes literários e as editoras que recebem textos originais não se dão nem ao trabalho de lê-los, caso o autor seja um ilustre desconhecido, mas se o autor é uma mulher, fruta da jaboticaba  à jaca; se é um sujeito com nome na mídia, já apareceu na TV ou foi protagonista de algum escândalo, o texto é publicado sem demora pela editora.
        Mas não os culpo, publicam porque sabem que o produto é vendável, não importando a categoria ou o assunto, mas somente quem está por trás da caneta. Caso contrário o autor tem que pagar para sua obra ser publicada.
        OK, o autor paga, afinal ele tem recursos para fazê-lo e quer sua obra nas prateleiras das livrarias, mas e a distribuição? Como levá-la para o público leitor? Não há como!
        A maioria dos escritores ficam com seus livros guardados em casa, mostram para os parentes e amigos próximos e guardam o restante.
        Eu não sou mulher-sorvetinho, nem mulher-picolé, sou apenas uma pessoa, quase anônima que escreveu alguns muitos livros, tão anônimos quanto eu.
        Por isso, pensei comigo, "quando eu morrer minha família irá jogar fora toda a papelada que encontrar nas minhas gavetas", é o que acontece com os velhos. Não quero que isso aconteça, portanto, o que escrevi durante toda a minha vida é, agora, de todos, é seu, é do mundo.
        Seja para se divertir, para sonhar, ou para contar aos seus filhos e aos seus netos, da mesma maneira que eu contei.
        Bom proveito!
        E, muito obrigado por lerem o que escrevi!