domingo, 23 de dezembro de 2012

Conto em dois atos


Uma História de Amor,
Esperança e Suor em Dois Atos

1º Ato


Teruo Ogaki se encontrava em estado de graça no Natal de 1990. Tinha um emprego excelente numa grande empresa, conseguira amealhar um om dinheiro na poupança e era dono do coração da moça mais bonita da sua empresa, recentemente eleita Miss Cargil, Ednéia dos Santos, copeira da diretoria. Foram quatro sessões de cinema, cinco jantares na pizzaria da cidade e três idas ao afamado motel Eclipse que culminaram num noivado com aliança e anel.

Um único senão embaraçava a bem aventurança de Teruo Ogaki, a oposição de seu pai. Seu Takeo Ogaki havia chegado com 15 anos de idade, direto para o interior de São Paulo, com sua família, para trabalhos de agricultura. Três anos depois de árduo trabalho, seu Takeo mudou-se para o Paraná para ter o seu próprio chão e iniciar uma granja. Foram tempos difíceis, a família trabalhava de sol a sol, de domingo a domingo, muitas vezes passando as madrugadas vigiando a criadeira cheia de pintinhos, acendendo fogueiras para que não sucumbissem à friagem da noite.

O trabalho árduo e o ambiente isolado da granja impediram o jovem Takeo de se confraternizar com outros jovens, que aprendesse os costumes da nova terra. Assim, por causa das vicissitudes da vida, Takeo continuou japonês, seguindo os costumes de seus pais que, de acordo com a tradição de seus antepassados, providenciou uma jovem japonesa para o filho. Seu Takeo dificilmente aprovaria o casamento do filho com uma gaijin.

Teruo havia realizado o sonho do pai, tinha se graduado e pós-graduado na Faculdade de Agronomia de Bandeirantes. Engenheiro agrônomo, com um ótimo currículo, não foi difícil para ele ser contratado por uma multinacional, a Cargil, com filial em Cambará, onde ele havia nascido e crescido, onde aprendera a ser brasileiro e paranaense.

Ele era grato ao pai que lhe havia proporcionado a educação universitária, mas gostava de decidir por ele mesmo os passos que daria em sua própria vida.

A jovem Miss Cargil, estava radiante. Não era loucamente apaixonada pelo seu japonês, gostava muito dele, mas não era boba. Onde ela, Ednéia dos Santos, pobre, filha do seu Santinho, pedreiro, bêbado, espancador e truculento, iria encontrar um partidão como o agrônomo que, além de ser da diretoria da firma, além de possuir um carro quase novo, não bebia, era estudado e bem vestido? E, depois de tudo o que ele sabia sobre a família dela, estava apaixonado e estava comprando tudo o que ela queria, um enxoval de rico para o casório?

A lua de mel com a vida acabou em julho de 1991. O estado de beatitude de Teruo foi esfacelado por uma simples carta, curta, em que sua demissão era-lhe comunicada, a dispensa irrevogável do lugar ao sol que ele havia conquistado por seus próprios méritos.

Começou então sua peregrinação para a reconquista de sua felicidade. O casamento foi adiado. Andou de Seca a Meca procurando uma colocação para que pudesse recuperar o status perdido, mas as portas se fecharam para ele. Desarvorado ele viu as perspectivas de uma vida própria, próspera e tranquila ao lado de sua Ednéia, desmancharem-se no ar como bolhas de sabão.

Teruo não queria ser mais um granjeiro, não queria seguir os passos do pai e essa foi a causa principal da decisão que tomou e que iria modificar sua vida.

Ele se juntou à leva dos decasséguis e foi contratado para trabalhar no Japão. Sua principal meta era ir sozinho, ganhar dinheiro no Eldorado, voltar e se estabelecer num negócio rentável com sua doce Ednéia. Era uma questão de adiar por algum tempo seus planos.

Ednéia não concordou com ele. Como, iria ele, deixa-la por tanto tempo? Não senhor, não queria fazer o sacrifício de ficar esperando, ela iria junto, casada, muito bem casada e não era um dos seus sonhos andar de avião? Além disso, ela já sabia algumas palavras em japonês, não agradecia sempre as gentilezas dele com um “arigatô gusaimassi!, não dava bom dia, para ele, com um “orraiô”. E, ademais, quando voltasse ao Brasil, ela seria uma mulher viajada.

2º Ato

Agora, no terceiro ano do novo milênio, Ednéia já não tem a cintura de pilão, nem os cabelos longos. Engordou muitos quilos e a silhueta de miss é uma lembrança do passado.

Levanta-se cedo todos os dias para levar os três filhos à escola e depois, segue para a rua principal da cidade, para um restaurante popular brasileiro, onde exerce o ofício de cozinheira, fazendo feijoadas e tutus, entre outros pratos.

Às vezes é chamada de mames, outras vezes de okasan. Já fla fluentemente a língua da terra, gosta de comer sushi, sashimi e sukyaki. Nunca se esqueceu da viagem de lua de mel, no avião jumbo, que trouxe os dois para o Japão, viagem que custou a venda do carro de Teruo.

Teruo sai mais cedo que ela para a fábrica onde trabalha desde que chegou ao Japão. Já tem alguns fios de cabelos branco nas têmporas, está mais rijo, mais cusculoso, fala português com os amigos e com a família e japonês no trabalho. O sonho de enriquecimento rápido se esvaiu, mas não sumiu de seu coração a esperança de voltar ara Combará, de dar uma guinada na sorte ingrata.

Com todas as dificuldades , o casal se tornou mais unido. A vida árdua e as esperanças foram os ingredientes que fortaleceram a união de Teruo e Ednéia. O inverno gelado já não os incomoda mais, embora ainda sintam saudades do sol tropical do Brasil, e, também, sabem se defender dos terremotos.

Os dois sonham em cruzar os ares para voltar, mas o orçamento é apertado. Com três crianças para alimentar e vestir é difícil economizar. O trabalho é estafante, tanto na fábrica como no fogão, semana atrás de semana, a vida passando entre os trabalhos domésticos, a família e a labuta no serviço.

Teruo, às vezes, se lembra saudoso, dos tempos da Cargil, quando trabalhava sem uniforme de fábrica, sem sujar as mãos. Mas, ele consegue enfrentar a realidade de sua situação precária que, no início de sua vida no Japão, qualificava como desmoralizante.

A vida social do casal se resume às reuniões barulhentas nos fins de semana, quando se juntam aos amigos brasileiros para uma batucada, para uma cervejada ou para dançar. Nessas horas alegres, ele de jeans, ela de minissaia e sandálias plataforma, vestidos no melhor estilo brasileiro, cantam e dançam como se fossem ora a porta-estandarte e o mestre-sala de uma escola de samba, ora passistas. E se esquecem de tudo, levam a alma, deixando aflorar neles o mais puro sentimento latino.

 

 

 

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